O desafio como essência da diversão

Chris Hunt, desenvolvedor do aclamado e notoriamente difícil RPG de sobrevivência Kenshi, tem uma visão bastante particular sobre design de jogos. "O trabalho de um escritor é atormentar seu protagonista", afirma Hunt em uma entrevista recente. "Então eu simplesmente adaptei isso para os jogos."

Para o criador da Lo-Fi Games, muitos títulos contemporâneos pecam por facilitar demais a experiência do jogador. "Muitos jogos deixam seus jogadores terem sucesso fácil demais", critica. "E isso é entediante para mim."

Kenshi: um jogo que não tem medo de desafiar

Lançado originalmente em 2018 após mais de uma década em desenvolvimento, Kenshi se destaca no cenário dos jogos de sobrevivência por sua abordagem implacável. Diferente da maioria dos RPGs, onde o personagem principal evolui naturalmente para se tornar mais poderoso, em Kenshi o mundo permanece perigoso e impiedoso - não importa o quão forte seu personagem fique.

Algumas características que tornam Kenshi único:

  • Não há roteiro ou missões principais obrigatórias
  • O combate é brutal e realista - ferimentos podem incapacitar personagens permanentemente
  • O mundo não se ajusta ao nível do jogador
  • Fracasso e derrota são partes fundamentais da experiência

Mas por que essa filosofia de design radical? Hunt explica que quer criar uma experiência onde cada vitória realmente signifique algo. "Quando você finalmente consegue construir um assentamento seguro ou derrotar um grupo de bandidos depois de várias tentativas, essa conquista tem peso", argumenta.

O debate sobre dificuldade nos jogos

A abordagem de Hunt vai contra a corrente dominante na indústria de jogos, onde muitos desenvolvedores optam por sistemas que garantem uma progressão quase inevitável para o jogador. Mas será que essa tendência de facilitar a experiência está tornando os jogos menos memoráveis?

Alguns jogadores defendem que desafio é parte fundamental da diversão. Afinal, qual é a graça de escalar uma montanha se não há risco de cair? Outros, porém, argumentam que jogos excessivamente difíceis podem excluir públicos menos experientes ou com menos tempo disponível.

Kenshi, com sua filosofia implacável, claramente se posiciona de um lado desse debate. E os números sugerem que há um público ávido por esse tipo de experiência - o jogo vendeu mais de um milhão de cópias, um feito impressionante para um título independente com um nicho tão específico.

O impacto psicológico do fracasso nos jogos

O que Kenshi faz de maneira brilhante é transformar o fracasso em uma ferramenta de aprendizado e engajamento. Quando seu personagem perde um braço em combate ou vê seu assentamento ser invadido por saqueadores, essas experiências dolorosas criam histórias únicas que os jogadores dificilmente esquecem. "Recebo relatos de jogadores que lembram detalhes de derrotas anos depois", comenta Hunt. "Isso mostra o poder emocional de quando as consequências são reais."

Estudos na área de psicologia dos jogos sugerem que desafios significativos podem aumentar a imersão e satisfação. Uma pesquisa da Universidade de Rochester (fonte) descobriu que jogadores tendem a valorizar mais conquistas quando enfrentam obstáculos genuínos. Kenshi leva esse princípio ao extremo, criando um ciclo de tentativa-erro-aprendizado que muitos comparam a jogos clássicos como Dark Souls ou Dwarf Fortress.

Como outros jogos equilibram dificuldade e acessibilidade

Enquanto Kenshi abraça a dificuldade implacável, outros títulos do gênero sobrevivência adotam abordagens diferentes. Valheim, por exemplo, oferece um sistema onde o mundo se torna mais desafiador conforme o jogador progride, mas mantém mecanismos para reduzir a frustração:

  • Sistema de "poder de combate" que escala com as conquistas do jogador
  • Penalidades de morte que podem ser recuperadas
  • Dificuldade ajustável por meio de modificadores de mundo

Já Don't Starve Together opta por um meio-termo - o jogo é brutalmente difícil para iniciantes, mas oferece ferramentas para que jogadores experientes personalizem a experiência. "Acreditamos que a dificuldade deve ser como um convite para dominar sistemas complexos, não uma barreira", explica Kevin Forbes, designer da Klei Entertainment.

O futuro dos jogos desafiadores

O sucesso de Kenshi e outros títulos difíceis parece estar influenciando a indústria. Recentemente, vimos um ressurgimento de jogos que não temem testar os limites dos jogadores:

  • Project Zomboid, com seu sistema de sobrevivência hiper-realista
  • Barotrauma, onde a cooperação é essencial para superar desafios complexos
  • Caves of Qud, um RPG roguelike que exige paciência e estratégia

Chris Hunt acredita que essa tendência reflete uma fadiga dos jogadores com experiências muito guiadas. "Há uma geração que cresceu com jogos onde você basicamente não pode falhar", observa. "Agora essas pessoas estão buscando algo mais substantivo, onde suas escolhas realmente importam."

No entanto, o debate sobre onde traçar a linha entre desafio justo e frustração excessiva continua acalorado. Alguns desenvolvedores estão experimentando com sistemas adaptativos que ajustam a dificuldade conforme o desempenho do jogador, enquanto outros, como a equipe de Kenshi, defendem que a consistência do mundo é fundamental para a imersão.

Com informações do: PC Gamer