Um caso incomum de desvio de recursos corporativos para financiar um hobby de colecionador chamou a atenção do FBI nos Estados Unidos. Um executivo de uma empresa de Iowa foi flagrado utilizando fundos corporativos para adquirir uma coleção valiosa de cartas e itens de Pokémon, totalizando mais de US$ 145 mil.

Os detalhes do esquema fraudulento

De acordo com o relatório do Kotaku, o indivíduo ocupava uma posição de confiança na empresa, o que lhe permitia aprovar despesas e gerenciar orçamentos. Ele teria criado um esquema elaborado, registrando as compras pessoais como despesas legítimas da empresa – possivelmente categorizando-as como materiais de escritório, equipamentos tecnológicos ou despesas de marketing.

O que começou talvez com pequenos valores foi escalando para compras cada vez mais ousadas. O fascínio pelo universo Pokémon, especialmente pelo mercado de cartas raras que valorizam consideravelmente, parece ter sido a motivação principal. Esse mercado explodiu nos últimos anos, com algumas cartas atingindo valores absurdos de centenas de milhares de dólares em leilões.

O mercado de colecionáveis e os riscos

O caso ilustra como hobbies, quando combinados com acesso a recursos financeiros e falta de escrúpulos, podem levar a situações extremas. O mercado de TCG (Trading Card Game) é volátil e movido por uma paixão que, para alguns, beira o investimento. Cartas raras de Pokémon, Magic: The Gathering e outros jogos são tratadas como commodities de alto valor.

Mas será que a emoção de adquirir um item raro justifica cruzar a linha da legalidade? Aparentemente, para esse executivo, a resposta foi sim. Ele não apenas comprometeu sua carreira e reputação, como agora enfrenta sérias consequências legais por fraude e desvio de recursos.

As lições para empresas e funcionários

Do ponto de vista corporativo, o caso serve como um alerta vermelho para os controles internos. Mecanismos de auditoria e aprovação de despesas precisam ser robustos o suficiente para detectar transações atípicas, mesmo que estejam camufladas sob descrições plausíveis.

Muitas empresas, especialmente as de menor porte, confiam cegamente em seus funcionários de longo prazo, criando brechas para que esquemas como esse prosperem por meses ou até anos. A implementação de políticas de compliance e a segregação de funções – onde uma pessoa não pode both solicitar e aprovar uma despesa – são fundamentais.

Para os colecionadores, a história é um lembrete sombrio de que a paixão pelos hobbies deve sempre se manter dentro dos limites da ética e da legalidade. O preço de uma carta rara nunca deve ser a própria liberdade.

O FBI entrou em cena após suspeitas da própria empresa, que notou transações incomuns em seus extratos. Investigadores rastrearam os pagamentos até lojas online especializadas em colecionáveis e marketplaces como eBay, onde o executivo adquiria itens de alto valor. As transações eram feitas com cartões corporativos, mas os produtos eram entregues em endereços residenciais ou apartados postais não vinculados à empresa – um detalhe crucial que passou despercebido inicialmente.

O que mais choca nesse caso é a escala e a audácia das compras. Não se tratava apenas de alguns booster packs comprados por impulso. Estamos falando de cartas promocionais raríssimas, boxes selados de edições antigas que valem milhares de dólares, e até mesmo itens de gaming como consoles temáticos de Pokémon edição limitada. O executivo montou o que muitos colecionadores considerariam uma coleção de sonho – mas com dinheiro que não era seu.

O perfil psicológico do colecionador compulsivo

Especialistas em comportamento apontam que casos como esse frequentemente transcendem a simples ganância, entrando no território da compulsão colecionista. A ânsia por completar sets, adquirir a peça missing da coleção ou possuir algo que poucos têm pode criar uma distorção da realidade e do julgamento ético. É a famosa "febre do colecionador" levada ao extremo mais perigoso.

Em minha experiência acompanhando o mercado de colecionáveis, já vi pessoas comprometerem economias, relacionamentos e agora até mesmo a liberdade por causa dessa busca. O caso do executivo de Iowa não é o primeiro e dificilmente será o último. Apenas alguns anos atrás, um funcionário público no Reino Unido desviou mais de £300,000 para comprar… adivinhe? Cartas de Magic: The Gathering.

E isso me faz pensar: será que as empresas realmente compreendem os riscos modernos? Num mundo onde um funcionário pode gastar milhares em microtransações de mobile games ou NFTs usando o cartão corporativo, os controles tradicionais parecem estar ficando obsoletos.

As falhas nos sistemas de controle corporativo

Conversando com um auditor forense sobre o caso, ele me contou que esquemas assim frequentemente são descobertos por acidente, não por sistemas de prevenção. "Muitas empresas ainda confiam em revisões manuais de despesas por pessoas que não sabem diferenciar entre um software legítimo e uma compra na Pokemon Center", explicou. "Se a descrição da transação diz 'material de escritório' e o valor não é absurdamente alto, geralmente passa."

O executivo de Iowa apparently aprendeu isso rapidamente. Ele dividia compras grandes em transações menores para evitar gatilhos nos sistemas de alerta. Comprava em diferentes vendedores para não criar padrões óbvios. Usava descrições genéricas como "supplies de escritório" ou "materiais promocionais" – termos que dificilmente levantariam suspeitas num primeiro olhar.

E aqui está uma ironia cruel: enquanto isso acontecia, colecionadores legítimos economizavam por meses para comprar uma única carta rara, enquanto esse executivo usava fundos corporativos para construir uma coleção que muitos só sonham em ter. O desrespeito não foi apenas com a empresa, mas com toda a comunidade de colecionadores que valoriza a ética e o fair play.

O caso agora segue no sistema judicial, mas já serve como um estudo fascinante – e alarmante – de como hobbies podem se transformar em obsessões perigosas. E me pergunto quantos casos similares estão ocorrendo nesse exato momento, ainda não descobertos, em empresas que não imaginam que seus fundos estão sendo usados para comprar não apenas cartas de Pokémon, mas talvez action figures raras, vinis limited edition ou até mesmo skins em jogos online.

A tecnologia poderia ajudar? Sistemas de AI que analisam padrões de gastos e cruzam fornecedores com databases de retailers de colecionáveis certamente fariam diferença. Mas até que ponto as empresas estão dispostas a investir em controles tão específicos? O balance entre confiança e verificação sempre foi delicado, mas casos como esse mostram que a confiança cega pode sair caríssima.

Com informações do: kotaku