Em um cenário de escassez global e preços estratosféricos, a criatividade dos entusiastas de hardware parece não ter limites. Enquanto muitos consumidores se resignam a pagar valores cada vez mais altos por memória RAM, um grupo de russos decidiu pegar o problema nas próprias mãos — literalmente. Através de um canal no Telegram, o modder Viktor "Vik-on" compartilhou um método caseiro para montar módulos DDR5 funcionais, soldando chips de memória em placas de circuito impresso (PCBs) vazias importadas da China. A iniciativa, que nasceu da pura necessidade, está virando uma alternativa viável para driblar um mercado que parece descontrolado.
E a verdade é que a situação está crítica. Os estoques de memória RAM, tanto DDR4 quanto DDR5, estão praticamente secando em escala global. Projeções nada animadoras sugerem que os preços elevados podem persistir até 2028. Enquanto alguns usuários desesperados recorrem a adaptadores SODIMM-to-UDIMM para reaproveitar memórias de notebook, os russos resolveram ir um passo além. Viktor, conhecido por realizar upgrades de VRAM em placas de vídeo, viu uma oportunidade de aplicar sua expertise em microsoldagem em um novo front: a fabricação caseira de memória.
O passo a passo da montagem caseira
O processo, embora técnico, é surpreendentemente direto se você tiver as ferramentas e o know-how. A base de tudo são as PCBs vazias de DDR5, que podem ser compradas de fornecedores chineses por valores irrisórios — cerca de US$ 6,40 cada. Essas placas já vêm com o layout de circuito completo, pronto para receber os componentes. O verdadeiro desafio, e o maior custo, está em adquirir os chips de memória propriamente ditos.
E é aí que a caça começa. Os chips precisam ser comprados separadamente em marketplaces como o AliExpress, onde é possível encontrar componentes de marcas como SK Hynix e Samsung, bastando buscar pelos números de peça corretos. Para quem quer economizar ainda mais, uma alternativa é dessoldar os chips de kits de memória usados ou de módulos de laptop, que utilizam os mesmos circuitos integrados. Depois, é necessário realizar um processo chamado reballing nos chips removidos, para prepará-los para a nova instalação, e então soldá-los na PCB vazia usando uma estação de retrabalho BGA.
Segundo os cálculos apresentados, montar um módulo de 16 GB com especificações médias custaria cerca de 12.000 rublos, o equivalente a US$ 152. Na prática, esse valor se aproxima perigosamente do preço de um kit retail de 16 GB no mercado atual. Portanto, a economia em si não é o grande atrativo — a viabilidade está em cenários muito específicos. Pense em integradores de sistemas que montam dezenas de PCs e buscam reduzir custos marginais em cada build, ou em entusiastas em regiões com acesso limitado a produtos de marca.
- Adquira as placas vazias de DDR5 de fornecedores chineses.
- Compre os chips de memória (SK Hynix/Samsung) em marketplaces chineses ou reaproveite de kits usados.
- Realize o processo de reballing nos chips, se necessário.
- Solde os chips na placa vazia usando uma estação BGA.
- Teste o módulo finalizado com softwares como ZenTimings.
Performance, viabilidade e um mercado em colapso
Aqui está uma das partes mais surpreendentes: a qualidade técnica dessas memórias "artesanais" pode ser muito boa. Capturas de tela compartilhadas no grupo mostram módulos com timings CL28, o que indica performance de nível intermediário-alto. Ou seja, não se trata apenas de fazer algo que funcione, mas de fazer algo que funcione bem. No entanto, essa lógica se aplica principalmente a especificações padrão. Quando se almeja chips premium para overclock extremo ou latências ultrabaixas, o custo dos componentes sobe tanto que a economia caseira deixa de fazer sentido financeiro.
E por que chegar a esse ponto? A resposta está no estado calamitoso do mercado. O mercado spot de memória — aquele onde você compra componentes avulsos em grande volume — praticamente deixou de existir. Os grandes fabricantes não têm capacidade ociosa para aumentar a oferta e, mesmo que tivessem, seu foco está totalmente voltado para o setor de Inteligência Artificial, onde os lucros são astronomicamente maiores. É um ciclo vicioso: a escassez eleva os preços, e os preços elevados tornam alternativas radicais, como montar sua própria RAM, cada vez mais plausíveis.
Alguns integradores de sistemas nos EUA já estão oferecendo a opção "traga sua própria RAM" para builds personalizados. Diante desse contexto, a evolução natural parece ser justamente "monte sua própria RAM". O que começou como um experimento de um modder em seu canal no Telegram pode muito bem se transformar em um modelo de negócio nichado, especialmente em países com restrições de importação ou mercados locais disfuncionais. A pergunta que fica é: até onde os consumidores estão dispostos a ir para ter acesso a hardware básico? A resposta dos entusiastas russos sugere que bem longe.
Mas vamos ser realistas por um momento. A ideia de soldar chips de memória em casa não é exatamente algo para iniciantes, certo? Requer uma estação BGA decente, que não é barata, além de um conhecimento técnico considerável em microsoldagem. Um erro de alinhamento de alguns micrômetros pode render um módulo inútil — e chips de memória não são exatamente descartáveis. No entanto, o que me impressiona não é apenas a técnica em si, mas o ecossistema que está surgindo em torno dela. O canal do Viktor virou uma espécie de fórum técnico improvisado, onde pessoas trocam dicas sobre fornecedores confiáveis de PCBs, compartilham perfis de temperatura ideais para o reballing e até discutem a compatibilidade de chips específicos com diferentes placas-mãe.
É um movimento de baixo para cima, quase uma resposta de guerrilha à indústria. E isso levanta uma questão interessante: será que estamos testemunhando o início de uma certa "democratização" da fabricação de componentes? Há uma década, montar seu próprio SSD caseiro a partir de chips NAND e uma controladora seria impensável para um hobbyista. Hoje, já existem tutoriais por aí. A memória RAM pode ser o próximo degrau. Claro, a complexidade é maior, mas a barreira não é mais puramente tecnológica — é mais sobre acesso às peças brutas e à informação correta.
Além da economia: personalização e reparo
Quando conversei com um entusiasta que tentou o método, ele me contou algo que vai além do preço. "Não é só sobre economizar," ele disse. "É sobre ter controle. Se um módulo de 32 GB de uma marca grande falhar, você joga fora. Aqui, se um dos oito chips morrer, eu dessoldo o defeituoso, coloco um novo que comprei avulso por uma fração do preço, e está resolvido." Essa perspectiva muda tudo. A montagem caseira abre a porta para o reparo real de hardware, em um momento em que a indústria parece cada vez mais focada na obsolescência programada e na substituição integral.
E pense na personalização. Os módulos retail vêm com perfis XMP/EXPO pré-definidos. Mas e se você quiser fazer um tuning hiper-agressivo, testando cada chip individualmente para encontrar o melhor do lote? Com a montagem caseira, você pode selecionar chips com base em seu potencial de overclock conhecido — informações que circulam em fóruns especializados. Você pode, teoricamente, montar um módulo "golden sample" que superaria qualquer produto de prateleira no mesmo patamar de preço. É o sonho de qualquer overclocker hardcore, que normalmente precisa comprar vários kits para garimpar um bom conjunto.
No entanto, nem tudo são flores. A grande desvantagem, e é uma bem significativa, é a falta de garantia. Nenhuma placa-mãe ou fabricante de sistema vai honrar a garantia se um módulo caseiro queimar algo. O risco é totalmente do usuário. Além disso, a compatibilidade não é 100% garantida. As PCBs chinesas podem não implementar perfeitamente todos os sinais de treinamento de memória que as placas-mãe modernas exigem, podendo levar a problemas de boot ou instabilidade em alguns modelos específicos.
O que isso revela sobre o futuro do hardware?
O fenômeno russo é um sintoma extremo, mas elucidativo. Ele mostra que quando a cadeia de suprimentos tradicional falha ou se torna proibitivamente cara, nichos de inovação emergem para preencher a lacuna. É a lei básica do mercado, mas aplicada de forma quase anárquica. E isso me faz pensar: será que os grandes fabricantes de memória estão prestando atenção? Provavelmente não para esse nicho específico, que é minúsculo. Mas eles certamente estão vendo a frustração generalizada com os preços.
Alguns analistas acreditam que iniciativas como essa, mesmo que marginais, podem exercer uma pressão psicológica. Elas demonstram que há alternativas, por mais complexas que sejam. Em um mundo ideal, isso poderia incentivar as marcas a repensarem suas estratégias de preço para o mercado consumidor, para não empurrar os clientes para soluções tão radicais. Mas, dado o foco atual na IA, duvido que o consumidor final seja uma prioridade tão cedo.
O mais provável é vermos a consolidação desse mercado cinza. Fornecedores chineses podem começar a vender "kits DIY de memória DDR5" completos, com PCB, chips e até fluxo de solda incluso. Já existem para GPUs e SSDs. Por que não para RAM? Isso reduziria a barreira de entrada, tornando o processo acessível para mais pessoas. Talvez surjam pequenas oficinas especializadas, oferecendo o serviço de montagem para quem quer a memória customizada mas não tem as ferramentas. A linha entre consumidor e fabricante está ficando cada vez mais tênue.
E você, leitor? Consideraria algo assim? Apenas por curiosidade, ou por necessidade real? Para muitos, a resposta será um sonoro "não". É muito trabalho, muito risco. Mas para uma minoria crescente — os que foram pegos pela tempestade perfeita de preços altos, escassez e habilidades técnicas —, essa pode ser a única luz no fim do túnel. A jornada dos modders russos é, acima de tudo, um lembrete do poder da ingenuidade humana diante de obstáculos aparentemente intransponíveis. Onde a indústria para, a comunidade às vezes encontra um jeito de continuar.
Com informações do: Adrenaline




