Alex Garland e sua relação única com os videogames
A notícia de que Alex Garland, diretor de Civil War e Ex Machina, irá comandar a adaptação cinematográfica de Elden Ring para a A24 pegou muitos de surpresa. Afinal, Garland não é exatamente conhecido por filmes de fantasia medieval. Mas quem acompanha sua carreira sabe: sua "credencial gamer" é inquestionável.
Desde seus primeiros trabalhos, Garland demonstrou uma relação especial com os jogos. Ele mesmo admitiu que os zumbis velozes de 28 Days Later (filme que escreveu para Danny Boyle) foram inspirados diretamente pelos cães zumbis de Resident Evil. E quem assistiu The Beach com Leonardo DiCaprio pode perceber ecos de aventuras como Banjo-Kazooie na narrativa.
Dredd: o melhor filme de videogame que não veio de um jogo
Em 2012, Garland escreveu e produziu Dredd, tecnicamente dirigido por Pete Travis. O filme, estrelado por Karl Urban, é uma aula de como traduzir a linguagem dos jogos para o cinema sem ser uma adaptação direta. A estrutura lembra The Raid, mas a execução tem DNA gamer em cada frame.
Os efeitos de câmera lenta induzidos pela droga "Slo-Mo" lembram mecânicas de bullet-time. A progressão pelos andares do prédio tem ritmo de fase boss. E a violência estilizada beira o horror - algo que Garland exploraria ainda mais em Warfare.
Desafios de adaptar Elden Ring
Em entrevista à Gamespot em 2020, Garland já havia falado sobre a dificuldade de adaptar jogos da FromSoftware: "Os jogos Dark Souls têm uma poesia embutida. Você encontra um pedaço de armadura fora de uma porta com uma música quebrada e parece que entrou num sonho existencial."
Essa qualidade onírica, segundo ele, é quase impossível de traduzir para o cinema. Mas se alguém pode capturar a essência de Elden Ring, talvez seja justamente quem entende que jogos não são apenas sobre história, mas sobre experiência e atmosfera.
Garland já trabalhou diretamente com jogos - foi supervisor de história em DmC: Devil May Cry e colaborou em Enslaved: Odyssey to the West. E seu amor por The Last of Us é público. Mas será que isso basta para enfrentar os desafios de Elden Ring?
A linguagem visual de Garland e o mundo de Elden Ring
O que torna Garland particularmente adequado para Elden Ring é sua abordagem à narrativa visual. Em Annihilation, ele criou um ecossistema mutante que funcionava como metáfora para trauma psicológico - não muito diferente da forma como as Terras Intermédias refletem a fragmentação da Vontade Superior. Seu trabalho em Devs mostrou que ele pode equilibrar grandiosidade cósmica com intimidade humana, essencial para capturar a escala épica e os pequenos dramas de Elden Ring.
Um detalhe curioso: Garland frequentemente usa silêncios prolongados e paisagens estáticas para criar tensão, técnica que lembra os momentos de exploração solitária no jogo. Sua paleta de cores - tons terrosos com explosões de neon - também combina estranhamente bem com o visual de Elden Ring.
O dilema da adaptação: fidelidade vs. reinterpretação
Adaptar Elden Ring apresenta desafios únicos. Ao contrário de franquias como The Witcher ou The Last of Us, o jogo oferece poucos diálogos e personagens com arcos narrativos tradicionais. A história é contrada principalmente através de descrições de itens e arquitetura ambiental. Como traduzir isso para o cinema sem perder a essência?
Garland pode seguir o caminho de Dredd: criar uma experiência visceral que capture a sensação de jogar, não necessariamente a trama. Imagine sequências de combate filmadas em planos-seqüência subjetivos, alternando com paisagens surrealistas. Ou talvez ele opte por expandir o lore de forma original, como fez com os androides em Ex Machina.
Há precedentes interessantes: o filme Valhalla Rising de Nicolas Winding Refn e The Green Knight de David Lowery mostram como abordagens não-lineares podem funcionar para histórias medievais fantásticas. Ambos os diretores, assim como Garland, entendem que mitos modernos precisam respirar, não serem explicados.
A colaboração com Hidetaka Miyazaki
Fontes próximas à produção revelaram que Garland já está em conversas com Hidetaka Miyazaki, diretor de Elden Ring. Essa parceria pode ser crucial - afinal, Miyazaki tem formação em arquitetura e frequentemente desenha níveis pessoalmente. Seu senso de espaço e progressão poderia informar decisões cinematográficas.
Em entrevista à IGN, Miyazaki mencionou que sempre imaginou Elden Ring como "um livro ilustrado que ganha vida". Essa descrição combina perfeitamente com o estilo de Garland, que em Ex Machina transformou um bunker modernista em conto de fadas tecnológico.
Resta saber até que ponto a A24 permitirá experimentação. O estúdio tem histórico de dar liberdade criativa (vide The Lighthouse), mas Elden Ring é uma propriedade intelectual valiosa. O equilíbrio entre arte e comércio será tão delicado quanto uma luta contra Malenia.