SAG-AFTRA questiona uso de voz de Darth Vader por IA no 'Fortnite'

Darth Vader no 'Fortnite'

Imagine poder fazer Darth Vader, o vilão mais eloquente de Star Wars, dizer o que você quiser. Os jogadores de Fortnite têm se divertido com essa possibilidade desde que o recurso foi introduzido. Mas agora há uma controvérsia em torno dessa nova versão do icônico personagem — e não tem a ver com ele soltar muitos palavrões. O problema está relacionado aos procedimentos da SAG-AFTRA sobre o uso de vozes por IA.

O que está em jogo?

Em um post na semana passada no site do Fortnite, a Epic Games destacou que o recurso só foi possível com a permissão expressa do espólio do falecido James Earl Jones. "James Earl sentia que a voz de Darth Vader era inseparável da história de Star Wars, e ele sempre quis que fãs de todas as idades continuassem a experimentá-la", diz uma declaração atribuída à família de Jones.

Conversar diretamente com Darth Vader — agora um chefe no modo Battle Royale — é, de fato, uma oportunidade incrível para fãs do ator e da franquia. No entanto, o sindicato de atores SAG-AFTRA, que destacou o uso de IA como uma de suas principais preocupações durante as greves de 2023, afirma que o Fortnite não seguiu os canais adequados antes de adicionar a voz de Darth Vader gerada por IA ao jogo.

A posição do sindicato

O sindicato apresentou uma acusação de prática trabalhista injusta (o link para o PDF está no site da SAG-AFTRA), criticando a "empresa signatária do Fortnite, Llama Productions", por "substituir o trabalho de artistas humanos por tecnologia de IA" sem "fornecer qualquer aviso sobre sua intenção de fazer isso e sem negociar conosco os termos apropriados".

A SAG-AFTRA ressalta que não é contra a ideia em si: "Celebramos o direito de nossos membros e seus espólios de controlar o uso de suas réplicas digitais e damos as boas-vindas ao uso de novas tecnologias para permitir que novas gerações compartilhem o prazer desses legados e papéis renomados".

O problema é que a IA usada aqui torna os dubladores humanos obsoletos, e "devemos proteger nosso direito de negociar termos e condições em torno do uso de vozes que substituam o trabalho de nossos membros, incluindo aqueles que anteriormente faziam o trabalho de combinar o ritmo e o tom icônicos de Darth Vader em videogames".

Até o momento, a Epic Games não se manifestou sobre a acusação. The Hollywood Reporter observa que, apesar da greve ainda em andamento da SAG-AFTRA, os atores podem trabalhar no Fortnite sem violar a greve, já que o jogo se enquadra em uma exceção para títulos que estavam em produção antes de agosto de 2023.

O precedente perigoso e o futuro das vozes de IA

O caso de Darth Vader no Fortnite não é apenas sobre um personagem específico — ele levanta questões espinhosas sobre como a indústria do entretenimento lida com legados artísticos na era digital. Se uma voz gerada por IA pode substituir um dublador humano com a "bênção" do espólio do ator original, onde traçamos a linha? E mais importante: quem decide?

Vale lembrar que James Earl Jones, antes de falecer em 2022, já havia cedido os direitos de uso de sua voz para recriações digitais de Darth Vader em projetos como Obi-Wan Kenobi da Disney+. Mas há uma diferença crucial: naqueles casos, a tecnologia foi usada para ampliar sua performance original, não para criar diálogos totalmente novos sem supervisão humana. "É como comparar um remaster de álbum clássico com uma música composta por algoritmos usando o timbre de voz de um artista falecido", observa o crítico de tecnologia Marcos Ribeiro em entrevista ao TechTudo.

O lado dos fãs: diversão ou desconforto?

Nas comunidades de Fortnite, a reação é dividida. Enquanto alguns celebram a novidade ("Finalmente posso fazer o Vader elogiar meu skin!", brinca um usuário no Reddit), outros expressam desconforto. "Parece errado ouvir ele falar frases que nunca diria no cânone de Star Wars", comenta uma jogadora no Twitter. E há ainda quem tema o "efeito uncanny valley" — quando a imitação quase perfeita, mas não exata, causa estranheza.

Curiosamente, esse não é o primeiro embate entre a Epic Games e sindicatos criativos. Em 2021, a empresa enfrentou críticas por usar modelos 3D escaneados que supostamente reduziam a necessidade de artistas de cenários. A diferença? Na época, a discussão ficou restrita a círculos profissionais — agora, com vozes de personagens amados pelo público, o debate ganhou o mainstream.

O que diz a lei (e o que não diz)

A legislação sobre direitos de voz póstumos varia drasticamente entre países. Na Califórnia, onde a SAG-AFTRA tem sede, o Código Civil protege "réplicas digitais" por 70 anos após a morte do artista — mas só se houver consentimento explícito em vida. Já no Tennessee, berço da música country, há proteções ainda mais rígidas inspiradas no caso de Elvis Presley.

O problema? Fortnite é um fenômeno global. "Se um jogador no Brasil acessa a voz do Vader gerada por IA, qual jurisdição prevalece? A do contrato com a família Jones? A do servidor onde os dados estão hospedados? Ou a do usuário final?", questiona a advogada especializada em propriedade intelectual Ana Cláudia Mendes em artigo para o Consultor Jurídico.

Enquanto isso, outros estúdios observam o desenrolar do caso com interesse. A Warner Bros., por exemplo, recentemente patenteou um sistema para "reviver" atores falecidos usando IA — tecnologia que poderia ser aplicada a franquias como Harry Potter ou O Senhor dos Anéis. Será que veremos um sindicato similar ao da SAG-AFTRA para dubladores brasileiros? "Ainda não há mobilização organizada", admite o presidente do Sindicato dos Dubladores do Rio, "mas casos como esse aceleram a conversa".

Com informações do: gizmodo