Este artigo é parte de Run, Die, Repeat, série da Polygon que explora os roguelikes durante uma semana.

Enfrentando o lendário Rogue quatro décadas depois

Confesso que sempre senti uma certa curiosidade mista com apreensão em relação aos roguelikes. Os jogos modernos do gênero — com seus gráficos impressionantes e mecânicas complexas — pareciam intimidantes demais para um iniciante. Então, decidi fazer algo radical: voltar às origens e experimentar o game que deu nome ao gênero, o original Rogue de 1980.

A experiência foi… reveladora. E frustrante. E fascinante. Em igual medida.

A crudeza que esconde profundidade

Rogue é brutalmente simples em sua apresentação: caracteres ASCII representando paredes (@), monstros (letras variadas) e tesouros (*). Não há gráficos sofisticados, não há trilha sonora épica, não há tutorial explicando cada mecânica. Você é jogado em uma masmorra gerada proceduralmente e basicamente precisa descobrir tudo por conta própria.

E que descoberta! A simplicidade visual esconde uma complexidade surpreendente. Cada letra representa um tipo diferente de monstro com comportamentos únicos. Os itens são identificados apenas como "poção" ou "pergaminho" até você usá-los — e descobrir se era benéfico ou mortal. A tensão de beber uma poção sem saber se vai te curar ou te envenenar é algo que poucos jogos modernos conseguem replicar.

A morte como professora implacável

Morri. Muitas vezes. De formas variadas e criativas. Para monstros que não reconheci, para armadilhas que não detectei, para fome que não preví. E aqui está a magia do design de Rogue: cada morte ensina algo valioso.

Aprendi que 'K' significa Kobold e que eles são relativamente inofensivos — a menos que você esteja com pouca vida. Descobri que 'D' significa Dragão e que… bem, é melhor fugir. Percebi que conservar comida é crucial, mas identificar itens é ainda mais importante. Rogue não perdoa erros, mas recompensa brutalmente o conhecimento adquirido através de tentativa e erro.

Por que Rogue ainda importa hoje

Jogar a origem do gênero quatro décadas depois me fez apreciar muito mais os roguelikes modernos. Games como Hades, Dead Cells e Slay the Spire devem muito ao design pioneiro de Rogue. A geração procedural de conteúdo, a permadeath significativa, a descoberta através da experimentação — tudo isso estava lá em 1980.

O que mais me impressionou foi como Rogue transforma a frustração em motivação. Cada morte — por mais injusta que pareça — te deixa um pouco mais preparado para a próxima tentativa. Você não avança porque encontrou um item melhor, mas porque se tornou um jogador melhor. E isso, talvez, seja a lição mais valiosa que qualquer jogo pode oferecer.

A curva de aprendizado que se transforma em obsessão

Nos primeiras horas, quase desisti. A interface espartana, os comandos arcaicos — tudo parecia deliberadamente hostil. Mas algo curioso aconteceu após a décima morte: comecei a antecipar padrões. Percebi que os corredores em formato de 'T' frequentemente escondiam salas secretas. Aprendi que monstros seguem comportamentos previsíveis se você observar com atenção.

E então veio a primeira vitória significativa: sobreviver até o nível 5 da masmorra. A sensação foi absurdamente recompensadora. Não havia conquista pop-up, não havia parabenizações do jogo — apenas a satisfação silenciosa de saber que eu estava melhorando. Rogue não te diz que você está progredindo; ele deixa você descobrir isso por conta própria.

O design que influenciou gerações

Enquanto jogava, não pude deixar de notar como mecanicas aparentemente simples de Rogue ecoam em jogos que adoro hoje. A incerteza sobre os efeitos dos itens? Presente em Dark Souls quando você encontra uma arma desconhecida. A permadeath que força o aprendizado? A espinha dorsal de Returnal e outros roguelikes modernos.

Mas há uma diferença crucial: Rogue não tenta ser justo. Modernos roguelikes frequentemente incorporam sistemas de "meta-progressão" que tornam cada tentativa um pouco mais fácil. Rogue não oferece essa gentileza. Seu progresso é puramente baseado em habilidade e conhecimento adquirido — não em upgrades persistentes.

E sabe de uma coisa? Essa falta de concessões é incrivelmente libertadora. Não há a ansiedade de "perder progresso permanente". Cada partida é uma tela verdadeiramente em branco, onde apenas seu conhecimento acumulado te acompanha.

Desvendando os mistérios da masmorra

Após cerca de vinte horas (e incontáveis mortes), comecei a desenvolver minhas próprias estratégias. Descobri que carregar múltiplas varinhas de identificação é mais valioso que ouro. Aprendi que às vezes é melhor recuar e regenerar saúde do que avançar cegamente. Percebi que certos monstros podem ser usados contra outros — deixar um troll lutar contra um grupo de kobolds pode ser a chave para sobreviver a um andar particularmente difícil.

Essas pequenas epifanias acontecem de forma orgânica, não através de dicas da interface ou tutoriais. Rogue te trata como um adulto capaz de aprender por conta própria — uma abordagem rara nos jogos modernos, que frequentemente temem perder jogadores com dificuldade excessiva.

E falando em dificuldade, há uma beleza peculiar em como Rogue balanceia aleatoriedade com consistência. Sim, você pode encontrar um dragão no nível 2 — mas também pode encontrar uma espada lendária cedo o suficiente para fazer diferença. A aleatoriedade não é apenas punitiva; é também generosa quando menos se espera.

Lições que transcendem o jogo

O que mais me surpreendeu foi como a experiência com Rogue começou a influenciar minha abordagem em outros jogos. Comecei a ser mais cauteloso em RPGs, testando itens antes de usá-los descuidadamente. Passei a valorizar mais o conhecimento sobre os sistemas do que o acúmulo de equipamentos poderosos.

Há uma filosofia quase zen em aceitar a morte como parte natural do processo. Em um mundo de saves frequentes e checkpoints generosos, Rogue nos lembra que o fracasso não é algo a ser evitado a todo custo, mas sim uma ferramenta de aprendizado. Quantas vezes na vida real nós temos a oportunidade de falhar repetidamente sem consequências permanentes?

E talvez essa seja a maior lição que Rogue tem para oferecer quatro décadas depois: em um mundo obcecado por progresso constante e recompensas imediatas, há valor em simplesmente tentar de novo — não porque será mais fácil na próxima vez, mas porque você será melhor.

Com informações do: Polygon