Um fenômeno que transcende as expectativas
Em KPop Demon Hunters, a icônica cantora Rumi (Arden Cho) divide seu tempo entre caçar monstros à noite e comandar palcos de arena sob holofotes dourados. A cena em que ela canta "Golden", um hino de autoempoderamento, é tão cativante quanto previsível - e é exatamente essa combinação que faz o filme brilhar. Enquanto Rumi canta sobre não mais se esconder (uma ironia, já que ela esconde sua natureza meio-demônio), o público sabe que uma queda dramática está por vir.
Uma mistura inesperada de influências
Dirigido por Maggie Kang e Chris Appelhans, o filme combina mitologia asiática com a cultura K-pop contemporânea, trazendo ainda ecos de Buffy the Vampire Slayer e Charmed. Mas o que realmente impressiona é a execução: a animação lembra o estilo revolucionário de Homem-Aranha no Aranhaverso, enquanto a trilha sonora, com participação da estrela K-pop Ejae, é repleta de hits instantâneos.
Curiosamente, o projeto começou na Sony Pictures Animation como um lançamento teatral antes de ser adquirido pela Netflix em 2023. Essa mudança pode ter sido benéfica - o filme se tornou um sucesso global, com quatro músicas no top 10 do Spotify e uma inesperada volta aos cinemas marcada para agosto.
O contraste com a fórmula Netflix
Enquanto muitos filmes originais da Netflix são projetados para serem "segunda tela" (conteúdo de fundo que não exige atenção total), KPop Demon Hunters exige imersão. Como Justine Bateman revelou, a plataforma frequentemente pede que roteiros sejam menos complexos para não distrair espectadores multitarefa. Este filme, porém, desafia essa lógica.
O sucesso orgânico de KPop Demon Hunters - que deve superar Red Notice em números de visualização - prova que há espaço para produções cinematográficas genuínas na plataforma, mesmo quando fogem ao padrão "algorítmico" que dominou muitos de seus lançamentos recentes.
Uma celebração da cultura K-pop com profundidade
O que diferencia KPop Demon Hunters de outras tentativas de capitalizar no fenômeno K-pop é seu respeito genuíno pela cultura. Os diretores não apenas usam a música como pano de fundo, mas mergulham na ética de trabalho implacável e na pressão psicológica enfrentada pelos ídolos. A cena em que Rumi desmaia nos bastidores após uma performance - apenas para ser acordada com um "Você tem ensaio em 20 minutos" - é dolorosamente realista.
E falando em realismo, a animação captura perfeitamente a coreografia precisa do K-pop. Os movimentos de dança foram supervisionados por coreógrafos que trabalharam com grupos como BTS e BLACKPINK, resultando em sequências que parecem saídas de um verdadeiro vídeo musical. Você quase consegue sentir a energia do público quando a câmera faz um zoom out revelando milhares de lightsticks sincronizados.
Mitologia reinventada
A abordagem do filme aos elementos sobrenaturais também merece destaque. Em vez de recorrer aos clichês ocidentais de vampiros e lobisomens, a narrativa se baseia em criaturas do folclore coreano como os gumiho (espíritos raposa de nove caudas) e dokkaebi (duendes travessos). Mas há uma reviravolta: esses seres foram adaptados para um contexto urbano moderno, com os demônios usando até mesmo tecnologia - imagine um gumiho hackeando sistemas de segurança com suas caudas.
Essa mistura única levanta questões interessantes sobre identidade cultural na era globalizada. Rumi, como meio-demônio, literalmente personifica esse conflito entre tradição e modernidade. Será que sua jornada reflete, de alguma forma, as tensões que o próprio K-pop enfrenta ao se tornar um produto global enquanto tenta manter suas raízes coreanas?
O paradoxo da originalidade
É irônico que um filme sobre caçadores de demônios tenha conseguido escapar da "maldição do algoritmo" que assombra tantas produções da Netflix. Enquanto a plataforma continua investindo pesado em filmes originais que seguem fórmulas comprovadas, KPop Demon Hunters prova que arriscar pode valer a pena. Os números falam por si: 72 milhões de horas assistidas na primeira semana, superando até mesmo The Gray Man em vários mercados asiáticos.
Mas será que esse sucesso vai mudar a abordagem da Netflix? Ou será tratado como uma exceção à regra? A indústria está de olho, especialmente depois que o CEO Ted Sarandos mencionou o filme em um relatório de ganhos como exemplo de "conteúdo que ressoa globalmente enquanto celebra especificidades culturais".
O que talvez seja mais impressionante é como o filme equilibra seu apelo comercial com momentos genuinamente artísticos. A sequência do "duelo musical" entre Rumi e o vilão principal - onde os ataques são literalmente notas musicais visuais - é uma das coisas mais criativas já vistas em uma animação desde... bem, desde Homem-Aranha no Aranhaverso. E pensar que essa cena quase foi cortada por ser considerada "muito experimental" nos estágios iniciais de produção.
Com informações do: Den Of Geek