O novo fenômeno nas equipes de desenvolvimento

Um padrão preocupante está surgindo em equipes de desenvolvimento de software: programadores usando ferramentas de IA como o GitHub Copilot como bode expiatório para bugs e problemas de código. O que começou como uma ferramenta para aumentar a produtividade está se transformando em uma fonte de desculpas conveniente.

"Já vi casos onde desenvolvedores apresentam código claramente problemático e, quando questionados, simplesmente respondem 'foi o Copilot quem sugeriu'", relata um líder técnico que preferiu não se identificar. Essa atitude levanta questões importantes sobre responsabilidade e qualidade no desenvolvimento de software.

Quando a ajuda vira desculpa

O GitHub Copilot, lançado em 2021, foi aclamado como uma revolução para desenvolvedores. A ferramenta usa o modelo OpenAI Codex para sugerir trechos de código em tempo real enquanto os programadores trabalham. Mas o que acontece quando essas sugestões são aceitas sem a devida revisão?

  • Desenvolvedores estão perdendo o senso crítico sobre o código que produzem

  • Bugs são descobertos mais tarde no ciclo de desenvolvimento

  • A culpa é sistematicamente atribuída à IA em vez de ser vista como parte do processo

Curiosamente, isso não é um problema da ferramenta em si, mas de como algumas equipes estão escolhendo usá-la. Afinal, quem é o responsável final pelo código que vai para produção - o desenvolvedor ou a IA que o auxiliou?

O equilíbrio entre produtividade e qualidade

Especialistas em engenharia de software alertam que esse comportamento pode minar os princípios básicos do desenvolvimento responsável. "Assim como não culpamos o autocompletar do IDE por erros de digitação, não devemos transferir a responsabilidade do código para a IA", argumenta Carlos Mendes, CTO de uma startup de tecnologia.

Algumas empresas estão começando a estabelecer diretrizes claras sobre o uso de ferramentas de IA assistiva:

  • Todos os trechos sugeridos por IA devem ser revisados linha por linha

  • O desenvolvedor é sempre o responsável final pelo código entregue

  • Pair programming com IA requer os mesmos cuidados que com humanos

Será que estamos testemunhando o surgimento de uma nova forma de "efeito Dunning-Kruger" na programação, onde alguns desenvolvedores superestimam sua capacidade de avaliar o código gerado por IA? Ou isso é apenas um ajuste natural enquanto nos adaptamos a essas novas ferramentas?

O impacto nas revisões de código e cultura de equipe

O fenômeno está criando ondas nas práticas tradicionais de revisão de código. Em algumas equipes, os revisores estão gastando mais tempo verificando se trechos foram copiados de IA do que avaliando a lógica do código propriamente dita. "É como se tivéssemos que fazer engenharia reversa do pensamento do Copilot", brinca uma engenheira de software do Rio de Janeiro.

Mas a piada esconde um problema real: quando os bugs são descobertos, as discussões frequentemente se desviam para "quem sugeriu isso" em vez de "como vamos consertar". Essa dinâmica pode corroer a confiança dentro das equipes e criar uma cultura de culpa em vez de colaboração.

Casos reais que ilustram o problema

Um estudo de caso compartilhado por uma empresa de e-commerce revelou um incidente onde:

  • Um desenvolvedor júnior implementou uma função de desconto sugerida pelo Copilot

  • O código continha um edge case não tratado que permitia descontos cumulativos ilimitados

  • Quando questionado, o desenvolvedor respondeu "mas era exatamente o que o Copilot sugeriu"

  • O bug só foi descoberto após causar prejuízos significativos

Outro exemplo vem de uma fintech, onde um trecho de código gerado por IA para validação de documentos continha vulnerabilidades de segurança. "O pior foi que o desenvolvedor sênior que aprovou o merge também usou o Copilot como justificativa", lamenta o CISO da empresa.

Adaptando processos para a era da IA assistiva

Algumas organizações estão respondendo ao desafio com mudanças estruturais em seus fluxos de trabalho:

  • Implementando verificações específicas para código gerado por IA nos pipelines de CI/CD

  • Criando templates de commit que exigem declaração explícita do uso de ferramentas de IA

  • Adicionando módulos sobre "IA responsável" nos programas de onboarding

Uma abordagem interessante vem de uma startup de São Paulo que começou a tratar o Copilot como um membro júnior da equipe - o código que ele "produz" precisa ser revisado com o mesmo rigor que o de qualquer outro estagiário. "Se você não confiaria no código de um estagiário sem revisão, por que confiaria no da IA?", questiona o tech lead da empresa.

Enquanto isso, comunidades de desenvolvedores estão debatendo se plataformas como o GitHub deveriam incluir metadados indicando quando trechos foram gerados por IA. Será que essa transparência ajudaria a resolver o problema, ou apenas criaria novos tipos de viés no processo de revisão?

Com informações do: IGN Brasil