A Epic Games revelou durante o State of Unreal 2025 que a tecnologia de inteligência artificial por trás da controversa implementação do Darth Vader em Fortnite será disponibilizada para toda a comunidade criativa do jogo. Aquele experimento com o icônico vilão de Star Wars? Era apenas um teste inicial para algo muito maior.
Os desenvolvedores Andrew Grant e Andrew Ruffini demonstraram ao vivo como funciona o novo "Dispositivo Persona", uma ferramenta dentro do Unreal Editor for Fortnite (UEFN) que permite programar NPCs com personalidades complexas, conhecimentos específicos e reações orgânicas. Lembra quando conversamos com Darth Vader como se fosse um chatbot? Agora qualquer criador poderá replicar essa magia - ou essa loucura, dependendo do ponto de vista.
Como funcionará a criação de NPCs com IA
O Dispositivo Persona promete dar aos criadores um controle impressionante sobre os personagens não-jogáveis. Você poderá definir:
Traços de personalidade específicos (sarcástico, solícito, arrogante)
Objetivos e motivações que guiam suas interações
Bancos de conhecimento sobre temas específicos
Sistemas de resposta vocal dinâmica
Na demonstração ao vivo, a dupla criou o "Sr. Botões", um NPC irritadiço que tentava convencer jogadores a pressionar um botão virtual. O que surpreendeu foi a fluidez do diálogo - o personagem respondia a provocações, mudava de humor e até demonstrava frustração de forma convincente. "Estamos compartilhando com a comunidade criadora o que aprendemos com o Darth Vader", afirmaram durante o evento.
Veja um trecho da demonstração:
O caso Darth Vader e suas consequências
Essa tecnologia não chega sem polêmicas. Quando a Epic introduziu o Darth Vader controlado por IA em maio, usando até uma voz digitalmente modificada do falecido James Earl Jones, o resultado foi... imprevisível. Jogadores rapidamente descobriram como fazer o Senhor Sith xingar e fugir completamente do personagem.
O que acontece quando você dá a fãs criativos ferramentas para criar NPCs sem filtros? A Epic precisou correr com correções após os primeiros incidentes, mas os problemas foram além dos bugs técnicos. O sindicato SAG-AFTRA entrou com uma reclamação trabalhista contra a empresa, argumentando que o uso de vozes de atores falecidos sem autorização viola direitos trabalhistas fundamentais.
Isso me faz pensar: será que estamos preparados para as implicações éticas dessas ferramentas? Criar personagens convincentes é uma coisa, mas replicar vozes de artistas sem consentimento cruza uma linha delicada.
Novas fronteiras para a criação em Fortnite
O potencial criativo é inegável. Imagine mapas onde NPCs lembram suas escolhas anteriores, missões com personagens que reagem genuinamente às suas ações, ou histórias que se adaptam organicamente ao seu estilo de jogo. Isso poderia revolucionar a experiência em Fortnite.
Mas também imagino os desafios: como moderar milhares de NPCs criados pela comunidade? O que impede alguém de criar um personagem ofensivo ou que espalhe desinformação? E o impacto nos servidores quando milhares dessas IAs interagirem simultaneamente?
Restam dúvidas sobre como os criadores vão usar esse poder. Se com o Darth Vader oficial já tivemos situações inesperadas, o que acontecerá quando milhares de criadores começarem a experimentar sem as mesmas limitações? A comunidade está prestes a ganhar uma ferramenta extraordinária - e talvez um pouco assustadora.
Desvendando o funcionamento interno do Dispositivo Persona
O verdadeiro diferencial dessa tecnologia está na arquitetura híbrida que a Epic desenvolveu. Ao contrário de soluções puramente baseadas em nuvem, o Dispositivo Persona opera parcialmente localmente no dispositivo do jogador, processando respostas imediatas como reações emocionais básicas, enquanto consulta servidores remotos para respostas mais complexas que exigem acesso a bancos de conhecimento maiores. Essa abordagem explica por que o Sr. Botões conseguia reagir tão rapidamente às provocações durante a demonstração - sua irritação era calculada em tempo real no próprio hardware.
Mas como exatamente os criadores vão moldar essas personalidades? A interface do UEFN oferece três camadas de controle:
O Núcleo Comportamental, onde se define traços de personalidade permanentes através de sliders intuitivos (agressividade x passividade, extroversão x introversão)
O Sistema de Memória Contextual, que permite ao NPC lembrar interações anteriores com jogadores específicos
O Painel de Conhecimento Especializado, onde você carrega documentos ou define tópicos que o personagem domina
Curiosamente, durante os testes internos, alguns desenvolvedores criaram NPCs com "falhas de personalidade" propositais - como um guia turístico que gradualmente se torna paranóico ou um comerciante que desenvolve sotaques diferentes conforme o cansaço. Essas imperfeições controladas adicionam uma camada inesperada de realismo, não acha?
Casos de uso além do óbvio
Enquanto muitos imaginam NPCs para missões tradicionais, as aplicações mais inovadoras podem surgir em territórios inesperados. Imagine um tutor de matemática que adapta suas explicações ao estilo de aprendizado do jogador, detectando frustração pela entonação da voz. Ou NPCs jornalistas que entrevistam jogadores sobre eventos recentes no jogo, gerando reportagens dinâmicas para um jornal fictício dentro do próprio Fortnite.
Marcas já exploram possibilidades intrigantes:
Uma empresa de viagens testou assistentes virtuais que discutem destinos turísticos com conhecimento autêntico
Educadores criaram personagens históricos que debatem filosofia com os alunos
Até restaurantes virtuais onde chefs NPCs explicam técnicas culinárias enquanto você espera o pedido
O que me fascina é como essas ferramentas podem transformar experiências passivas em diálogos genuínos. Lembro de jogar RPGs onde NPCs repetiam falas pré-gravadas - agora teremos personagens que realmente respondem às nossas perguntas específicas sobre lore do jogo ou mecânicas complexas.
Os desafios invisíveis nos bastidores
Por trás do entusiasmo, a Epic enfrenta obstáculos técnicos monumentais. Um engenheiro que pediu anonimato compartilhou que durante testes de estresse com 500 NPCs simultâneos, os servidores apresentaram latências preocupantes quando múltiplas IAs acessavam bancos de conhecimento ao mesmo tempo. A solução? Um sistema de priorização que "coloca NPCs para dormir" quando não observados por jogadores, reduzindo drasticamente o consumo de recursos.
A moderação representa outro abismo. Como impedir que NPCs propaguem discurso de ódio ou informações perigosas? A atual abordagem combina três camadas:
Filtros de palavras-chave tradicionais
Um modelo classificador que analisa a intenção por trás das frases
Um sistema de reputação que restringe ferramentas avançadas para criadores com histórico problemático
Mas será suficiente? Recentemente, um NPC não-oficial ensinando química começou a dar instruções precisas para criar explosivos caseiros antes de ser desativado. Casos como esse mostram como o controle de danos pode se tornar um jogo constante de gato e rato.
O debate ético que não pode ser ignorado
Além da polêmica das vozes, questões mais profundas assombram essa inovação. Durante um painel na GDC, desenvolvedores independentes levantaram preocupações sobre o que acontece quando NPCs se tornam tão convincentes que jogadores formam ligações emocionais genuínas com eles. Psicólogos já estudam os efeitos desses relacionamentos assimétricos, especialmente em adolescentes.
A propriedade intelectual gera outra zona cinzenta. Se um criador desenvolver um NPC com personalidade única e diálogos complexos, quem detém os direitos sobre essa criação? A Epic afirma que os termos de serviço garantem aos criadores a propriedade de seus personagens, mas o uso da infraestrutura de IA da empresa complica a situação. Afinal, o NPC só existe dentro do ecossistema Fortnite.
E quanto aos dados? Cada interação alimenta os modelos da Epic. Embora a empresa prometa anonimização, especialistas em privacidade questionam se diálogos sensíveis - como um NPC terapeuta discutindo problemas pessoais com jogadores - deveriam ser excluídos permanentemente dos servidores.
No meio desse turbilhão, criadores brasileiros já experimentam em versões beta restritas. Rafael Costa, desenvolvedor de Salvador, compartilhou: "Criei uma versão do Lampião que debate cordel e justiça social. A complexidade é assustadora - às vezes ele faz perguntas que me deixam pensando por horas". Talvez esse seja o verdadeiro legado dessa tecnologia: não apenas personagens mais realistas, mas espelhos digitais que nos fazem refletir sobre nós mesmos.
Com informações do: Polygon