O desafio de editar uma história real cheia de nuances
Uma das primeiras coisas que a editora Peggy Tachdjian fez ao receber o roteiro de "Monstros: A História de Erik e Lyle Menendez" foi pesquisar no Google se os irmãos realmente tocaram "Girl I'm Gonna Miss You" do Milli Vanilli durante o funeral dos pais. Eles tocaram mesmo.
"Minha primeira versão do episódio 'Blame It on the Rain' foi bastante séria e direta. Depois, trabalhando com Carl Franklin - meu diretor naquele episódio - decidimos suavizar alguns momentos, aproximar mais do público e realmente deixar que o público percebesse o quão absurdo era aquele momento", explicou Tachdjian em entrevista. Assistir a um filho dedicando uma música de término para a mãe que ele assassinou foi apenas uma das muitas mudanças tonais complexas que a equipe de "Monstros" precisou equilibrar.
A fascinação pública por um crime brutal
A história dos assassinatos cometidos pelos Menendez é um dos casos de true crime mais conhecidos da história americana recente. Em 1989, Erik e Lyle Menendez atiraram nos pais, José e Kitty. Inicialmente, os irmãos disseram às autoridades que os assassinatos estavam ligados à máfia. Mas quanto mais a polícia investigava, mais a terrível verdade vinha à tona - e mais o público se fascinava por esses assassinos bonitos e ricos.
Segundo Tachdjian, era importante para o co-criador da série Ryan Murphy que a produção capturasse tanto o peso desses crimes e as alegações de abuso sexual por parte de Erik quanto a fascinação do público por esses irmãos.
A música como elemento narrativo crucial
"Estávamos sublinhando um estilo pré-existente que precisava fazer parte do programa porque as aparências são realmente parte do que tornou a história dos Menendez tão interessante", disse a compositora Julia Newman. "O que o programa faz tão bem, o que [Tachdjian] realmente definiu o tom, foi estabelecer o espectro psicológico, o espectro emocional com o qual iríamos trabalhar, que era bastante amplo, estilizado e sombrio."
Esse cuidado também foi incorporado à música da série. Na segunda vez que "Monstros" mostra os assassinatos, a cena é acompanhada por um zumbido baixo e ameaçador que mais tarde se torna a trilha sonora da série.
"Toda a ideia era que quando você vê os meninos matarem seus pais pela segunda vez, era para provocar algo diferente", explicou Julia Newman.
Thomas Newman, que colaborou com a filha como compositor na série, concordou, observando que o som foi feito para "aprofundar seu senso dos personagens, o que eles são e até onde tiveram que ir".
Julia Newman foi responsável por criar a melodia do zumbido, que começou com ela tocando quintas baixas no piano. Ela então gravou a si mesma cantarolando, embora sua intenção inicial fosse que alguém regravasse os vocais.
"Nós dissemos: 'Não mexe nisso'", lembrou Tachdjian.
"Monstros: A História de Lyle e Erik Menendez" está disponível na Netflix.
O impacto psicológico da edição não linear
Tachdjian revelou que uma das decisões editoriais mais impactantes foi a escolha de não contar a história de forma linear. "Começamos com os assassinatos, depois voltamos no tempo, depois avançamos novamente. Essa estrutura reflete a própria psicologia dos irmãos - a maneira como eles tentavam racionalizar o que fizeram", explicou. A editora comparou o processo a "montar um quebra-cabeça onde algumas peças nunca se encaixam perfeitamente".
Essa abordagem permitiu que a série explorasse as contradições nos depoimentos dos irmãos sem precisar declarar explicitamente quem estava dizendo a verdade. "Há momentos em que você acredita em Erik, outros em que duvida dele. A edição ajuda a criar essa ambiguidade", acrescentou Tachdjian.
O desafio de humanizar personagens controversos
Um dos aspectos mais delicados do projeto foi encontrar o equilíbrio entre retratar os irmãos como vítimas de abuso e como assassinos calculistas. "Tínhamos acesso a horas de gravações reais dos julgamentos e entrevistas. Ouvir a voz real do Erik descrevendo o abuso era de partir o coração, mas também vimos os momentos em que ele claramente mentia", compartilhou a editora.
Os compositores enfrentaram desafios semelhantes. Thomas Newman explicou: "A música precisava transmitir tanto a vulnerabilidade quanto a capacidade de violência. Usamos instrumentos de corda para criar essa dualidade - notas suaves que podiam se transformar em algo dissonante e ameaçador."
Julia Newman destacou como certas escolhas musicais ajudaram a criar empatia mesmo nos momentos mais sombrios: "Há uma cena onde Lyle está no carro depois do crime, e colocamos uma música dos Beach Boys. Era a banda favorita dele na vida real. Aquele momento de normalidade musical contrastando com o horror do que ele tinha feito criava uma tensão psicológica fascinante."
As limitações criativas de contar uma história real
Ao contrário de ficções baseadas livremente em eventos reais, "Monstros" estava comprometido em manter a fidelidade aos fatos conhecidos. "Tínhamos consultores legais verificando cada cena do julgamento", revelou Tachdjian. "Mas dentro desses limites, encontramos maneiras criativas de sugerir interpretações. Por exemplo, usamos ângulos de câmera específicos durante os depoimentos para refletir quem poderia estar mentindo."
Os Newman enfrentaram restrições semelhantes com a trilha sonora. "Não podíamos simplesmente inventar músicas que os Menendez nunca ouviram", explicou Julia. "Mas descobrimos que eles eram fãs de Madonna, então usamos "Live to Tell" em um momento crucial. A letra era perfeita para o contexto, mas também era uma música que realmente fazia parte da vida deles."
Thomas Newman acrescentou: "O maior desafio era evitar o sensacionalismo. Mesmo nas cenas mais violentas, a música precisava manter um certo grau de contenção. Queríamos que o público refletisse, não que se deleitasse com a violência."
Com informações do: The Wrap