A distopia dos carregadores de celular em Rick & Morty
Um episódio típico de Rick & Morty é um pandemônio de proporções cósmicas. Se Rick não está usando espadas de laser para fatiar hordas de alienígenas insetoides, ele está levando seu sobrinho Morty através de portais multidimensionais que fazem o stargate de 2001 parecer um tapete rolante de aeroporto. Mas por trás dessa animação frenética, ainda há uma sitcom familiar sobre os pequenos aborrecimentos da vida. No primeiro episódio da 8ª temporada, isso inclui o incômodo de alguém roubar seu carregador de celular.

O presente de Dia dos Namorados que virou enredo
"Summer of All Fears" se passa em um futuro onde Summer adulta (Spencer Grammer) é a governante tecnocrática de uma sociedade obcecada por carregadores de celular. Morty vive fora do sistema após uma vida de prisão, serviço militar e horrores relacionados a celulares. Acontece que a dupla de irmãos está presa em uma simulação de mundo ao estilo Matrix, concebida como punição pelo tio Rick depois que eles usaram seu carregador de telefone.
Não é surpreendente que os roteiristas de Rick & Morty tenham encontrado uma nova abordagem para uma piada sobre teoria da simulação. O diferencial é que ela é construída sobre o inconveniente irritante de seu carregador de telefone desaparecer. O criador Dan Harmon diz ao Polygon que acredita ser o culpado por esse ponto da trama.
"Eu tentei acumulá-los", diz ele com desespero, ao relembrar as origens do episódio de estreia. "Tentei trancá-los em caixas. Eles simplesmente desaparecem. São as novas 'meias na secadora'."
Da vida real para o absurdo animado
O showrunner Scott Marder diz que os roteiristas de Rick & Morty estão sempre em busca de problemas relacionáveis como núcleos para suas paródias absurdistas. As reclamações de Harmon foram sentidas na sala de roteiro. "Todo ano, há um novo tipo de conexão para o telefone!", diz ele. "Então você tem um monte deles que não servem para nada mais. Você está sempre correndo atrás de um que funcione."
Embora a fúria por carregadores de celular seja algo com que muitos podem se identificar, Harmon admite que seu relacionamento com os acessórios vai um pouco mais fundo. Eles já foram o centro de um presente notório de Dia dos Namorados que ele deu à sua ex-esposa: um "buquê lindo" de carregadores de iPhone. Harmon jura que o presente foi realmente bem recebido e que ele "ficou orgulhoso de tê-lo dado", porque, ao contrário da maioria dos presentes descartáveis de Dia dos Namorados, o buquê de carregadores podia carregar um telefone.
Mesmo assim, Harmon diz que pensou nisso como um presente que provavelmente teria vida curta: "Carregadores de telefone, como flores, parecem algo que você está dando para alguém e eles simplesmente vão desaparecer."
O fenômeno cultural dos carregadores perdidos
O que começou como uma piada pessoal de Harmon rapidamente se transformou em um comentário social mais amplo na narrativa de Rick & Morty. A obsessão da sociedade futurista por carregadores reflete nossa própria dependência tecnológica - e como pequenos inconvenientes podem se tornar crises existenciais. "É engraçado porque é verdade", reflete o co-criador Justin Roiland em entrevistas anteriores. "Nós literalmente entramos em pânico quando nossa bateria está em 5%, mas não pensamos duas vezes sobre a origem desses dispositivos ou para onde vão todos os carregadores."
O episódio expande essa premissa para níveis tipicamente absurdos da série. Em um flashback, vemos Morty sendo preso por "contrabando de carregadores" após tentar vender um cabo Lightning no mercado negro. A cena, que parodia dramas distópicos como Mad Max, mostra policiais robóticos perseguindo Morty enquanto ele grita: "É só um cabo USB-C, por favor, eu tenho família!"
Da comédia à crítica social
Os roteiristas usam essa premissa aparentemente boba para explorar temas mais profundos. A diretora de animação Erica Hayes explica que o design do mundo reflete deliberadamente nossa própria obsessão por tecnologia: "Criamos prédios em forma de baterias, outdoors que mostram ícones de carregamento, até mesmo nuvens no céu que lembram símbolos de baixa bateria. É um mundo onde o pior pesadelo das pessoas é ficar sem energia."
Essa abordagem satírica é típica da série, que frequentemente pega neuroses cotidianas e as amplifica até o absurdo cósmico. "Lembra daquele episódio onde Rick transformou o planeta em um curral para evitar impostos?", pergunta Marder. "Isso veio de uma briga real que tive com o IRS. Com os carregadores, é a mesma coisa - pegamos algo que nos irrita no dia a dia e perguntamos: 'E se isso fosse o fim do mundo?'"
Harmon acrescenta que há uma camada adicional de humor na escolha dos carregadores como MacGuffin: "Eles são literalmente objetos que transferem energia, mas ninguém valoriza até precisar. É uma metáfora perfeita para relacionamentos, para a sociedade... e para a própria série. As pessoas só percebem o valor das coisas quando estão prestes a perder."
O legado dos objetos cotidianos na ficção científica
Essa não é a primeira vez que Rick & Morty eleva objetos mundanos a elementos centrais da trama. O episódio "The Ricks Must Be Crazy" (5ª temporada) explorou um universo inteiro dentro da bateria do carro de Rick. "Há algo poeticamente ridículo em construir mitologias em torno de coisas que achamos descartáveis", observa a roteirista Jane Becker.
O fenômeno tem precedentes na ficção científica. Em Hitchhiker's Guide to the Galaxy, toalhas se tornam o objeto mais útil do universo. Em Snow Crash de Neal Stephenson, pizzas dominam a economia futurista. "A grande ficção científica sempre soube que o futuro não será sobre raios laser", reflete Harmon. "Será sobre perder suas coisas no sofá e brigar por tomadas em aeroportos."
Essa mistura de banalidade e grandiosidade pode ser o segredo da longevidade da série. Enquanto outros shows de animação adulta recorrem a piadas fáceis ou violência gratuita, Rick & Morty constrói suas narrativas sobre frustrações genuínas - mesmo que depois as amplifique até níveis interdimensionais.
Com informações do: Polygon