A arte por trás da seleção musical em produções verdadeiramente impactantes
Supervisão musical é uma daquelas profissões que poucos notam quando bem feita, mas que faz toda a diferença na experiência do espectador. Imagine alguém que precisa ser parte nerd musical, parte detetive sonoro e parte negociador de direitos autorais - tudo ao mesmo tempo. É exatamente esse o trabalho de Amanda Krieg Thomas e Anna Romanoff em Monstros: A História de Lyle e Erik Menendez.
O poder da música na narrativa criminal
A série que reconta o caso real dos irmãos Menendez - condenados pelo assassinato dos pais em 1996 - exige uma abordagem musical tão complexa quanto a própria história. A música aqui não é meramente decorativa; ela precisa:
Estabelecer o período histórico (década de 1990)
Reforçar os contrastes emocionais da narrativa
Criar subtextos sobre a psique dos personagens
Manter a autenticidade sem distrair da gravidade dos eventos
Em minha experiência acompanhando true crimes, percebo que as escolhas musicais podem tanto elevar quanto arruinar a credibilidade da produção. Neste caso específico, as supervisoras optaram por uma abordagem que mistura nostalgia e desconforto - uma combinação perfeita para uma história que é ao mesmo tempo familiar e profundamente perturbadora.
Detalhes que fazem a diferença
O que mais me impressiona no trabalho de Thomas e Romanoff é a atenção aos detalhes históricos. Elas não apenas selecionam músicas que eram populares na época, mas escolhem faixas que refletem:
O contexto socioeconômico da família Menendez
As preferências musicais prováveis de jovens daquela geração
O contraste entre a fachada de normalidade e a realidade sombria
Um exemplo interessante mencionado é o uso estratégico de música diegética (quando os personagens realmente ouvem a música na cena) versus não-diegética (a trilha que apenas o público escuta). Essa alternância sutil ajuda a construir a tensão psicológica que permeia toda a série.
O jogo psicológico das escolhas musicais
O que poucos percebem é como cada canção em Monstros funciona quase como um personagem secundário. Thomas revelou em entrevistas que certas músicas foram escolhidas especificamente para criar dissonância cognitiva - como usar melodias aparentemente inocentes em cenas de tensão extrema. Essa técnica, embora sutil, amplifica o desconforto do espectador de maneira quase subliminar.
Imagine ouvir uma balada romântica dos anos 90 enquanto testemunha os preparativos para um crime hediondo. Essa contradição sonora reflete brilhantemente a dualidade da história real: irmãos universitários de boa família versus assassinos calculistas. A música, nesse contexto, vira um espelho da complexidade humana que o caso Menendez representa.
Desafios técnicos e criativos
Por trás das escolhas aparentemente perfeitas, há uma série de obstáculos que poucos imaginam. Romanoff compartilhou que um dos maiores desafios foi:
Negociar direitos de músicas específicas que eram caras demais para o orçamento
Encontrar alternativas que mantivessem a mesma essência sem comprometer a visão artística
Equilibrar as expectativas da geração que viveu os anos 90 com o olhar contemporâneo sobre o caso
Em um caso curioso, as supervisoras revelaram que quase desistiram de uma cena crucial porque não conseguiam os direitos de uma música específica. Foi só na última hora que encontraram uma versão cover menos conhecida que, ironicamente, funcionou ainda melhor dramaticamente. Às vezes, como dizem, as limitações financeiras podem levar a soluções mais criativas.
A música como testemunha silenciosa
Analisando mais profundamente, percebe-se que as canções em Monstros frequentemente assumem o papel de narradoras não-oficiais. Em várias cenas, as letras parecem comentar indiretamente sobre a ação, como se o universo musical estivesse ciente da tragédia que se desenrola. Essa camada adicional de significado não é acidental - as supervisoras estudaram minuciosamente as letras originais para garantir esses paralelos.
Um exemplo notável ocorre no terceiro episódio, quando uma música sobre traição familiar toca discretamente no rádio durante uma discussão tensa entre os irmãos. A coincidência é tão perfeita que muitos espectadores assumiram ser uma composição original para a série, quando na verdade era um sucesso esquecido de 1992.
O legado musical do true crime
O trabalho de Thomas e Romanoff em Monstros levanta questões interessantes sobre como a música pode recontextualizar eventos históricos. Ao reassociar canções populares a uma das histórias criminais mais chocantes dos anos 90, elas criam uma espécie de memória cultural alternativa. Quantos espectadores, depois de assistir à série, conseguirão ouvir essas músicas sem lembrar dos Menendez?
Esse fenômeno não é novo - quem não associa certas canções a cenas icônicas do cinema? - mas no gênero true crime assume uma dimensão diferente. Afinal, estamos falando de vidas reais e tragédias reais. A música, nesse contexto, vira uma ponte emocional entre o entretenimento e a realidade, um dilema ético que as próprias supervisoras admitem ponderar em seu processo criativo.
Com informações do: DEADLINE